Fernando Lugo tomou posse no Paraguai ,quebrando uma sucessão de sessenta anos de presidentes do partido Colorado.Completa-se assim uma transição que teve início com a derrubada do ditador Alfredo Stroessner em 1989 e que agora assiste à chegada ao poder de um ex-sacerdote adepto da Teologia da Libertação e bispo dos pobres.
Mas Lugo também teve um longo estágio em Roma onde terá aprendido algumas das habilidades políticas da Igreja Católica.Assim ele toma posse de simbólicas sandálias mas já demonstra pragmatismo na escolha de seu ministério.É preciso notar que ,ao contrário de seus pares na Venezuela,Bolívia e Equador, o novo presidente paraguaio não chega ao poder com uma terra arrasada da qual os partidos tradicionais foram varridos.Lugo nem sequer terá maioria no Congresso e vai ser forçado a combater muitos interesses constituídos para implementar a maior parte de sua agenda.Seu caminho será árduo.
O assunto mais suscetível de trazer-lhe amplo apoio no início é Itaipu.Este projeto binacional é , a meu ver , um grande exemplo de equidade e benefícios para ambas as partes .No Paraguai transformou-se,ao contrário, num mito de injustiça , em boa parte pela retórica demagógica do próprio Lugo.Até aqui o presidente Lula vai administrando muito bem o assunto, malgrado algumas declarações infelizes do seu chanceler sobre a necessidade de sermos generosos .Mas a solução não será fácil por que ,se o Brasil não pode ceder na revisão do Tratado , o governo paraguaio vai ser tentado a jogar muito duro também.
De todo modo, deve-se aplaudir que a transição tenha se feito em boa ordem e que haja enfim oportunidade para que o Paraguai tenha um governo honesto e preocupado com o bem comum.
sábado, 16 de agosto de 2008
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4 comentários:
Sair o Partido COlorado do poder é algo promissor para o Brasil. Afinal, drogas e armas entram no Brasil vindos do Paraguai, com conveniência dos colorados. Por outro lado, a questão de Itaipu será dificil de equacionar. Com sua experiência, qual seria a melhor forma de o Brasil se posicionar em relação Às revindicações populistas de Lugo que virão?
Nossa melhor estratégia seria não aceitar discutir o Tratado mas oferecer financiamentos e apoio ao Paraguai para aproveitar melhor a energia de Itaipu
A opinião acima parece bem razoável. Me pergunto, porém, se os idealistas que decidem nossas posições externas quanto aos países vizinhos pensam assim. Suspeito que estão mais na linha de o Brasil ser cooperativo. Só que para o outro lado isso vai significar confissão de culpa e as demandas aumentarão.
Coincido plenamente com o artigo de Luiz Felipe Lampreia que iniciou essa discussão. Lugo representa o final de um longo e confuso processo de transição da ditadura colorada de Stroessner (pois ele, ao contrário do que ocorreu em outros países do Cone Sul, foi, em primeiro lugar, um ditador de partido único, antes que um caudilho militar) para a democracia.
Itaipu foi a principal bandeira eleitoral de Lugo, mas, desde sua vitória, em 20 de abril, a retórica da "soberania energética" foi sendo matizada por ele próprio. Como bem disse Lampreia, muitas inverdades e desinformações são divulgadas no Paraguai a respeito dos reais benefícios que o país vizinho colhe da Itaipu Binacional. Parte do problema está na completa falta de transparência com que os sucessivos Governos colorados pós-stronistas (Rodriguez, Wasmosy, Cubas/Macchi e Duarte Frutos) manejaram os recursos que auferem de Itaipu: royalties, compensação por energia cedida, salários, fundos sociais, etc. Uma das bandeiras de Lugo foi a transparência na Binacional, idéia a que o Brasil se poderia associar. Dados mais claros sobre todos os aspectos relacionados com a administração da Itaipu só nos podem beneficiar, pois contribuirão para desmistificar muito do que se diz sobre Binacional no Paraguai.
A idéia de que o Paraguai aproveite melhor a energia elétrica de que dispõe é essencialmente correta, pois é um absurdo que o “Coveite da hidroeletricidade” sofra de falta de luz em sua capital e até mesmo em Cidade do Leste, colada a Itaipu. Mas, para o país, não é urgente. Urgentes mesmo são as tarefas de reverter o subemprego, a pobreza extrema, a corrupção institucionalizada, a fragilidade do Estado em todos os seus níveis, sobretudo na prestação de serviços críticos para a população. Esse é o pior legado dos sessenta anos de colorados: um Estado completamente ineficaz e profundamente corrupto, a pior combinação possível. E para enfrentar essa tarefa, o que o Paraguai precisa são recursos.
O Ministro da Fazenda de Lugo já anunciou que tenciona criar um imposto sobre a soja (e sobre a carne). Ainda que isso escandalize uma parcela dos produtores rurais no Paraguai, o principal desafio para recuperar o Estado reside na possibilidade de que ele disponha de recursos legítimos, num país que se habitou a viver de rendas legítimas e ilegítimas - das alfândegas e da triangulação comercial (incluídos aí o contrabando e o descaminho), de Itaipu e Jaciretá (a represa inacabada que ele tem com a Argentina), da falsificação e do tráfico de drogas – e de usar essas rendas como prebendas para os que estão no poder ou querem nele permanecer.
Certamente não cabe ao Brasil essa fatura, mas nos interessa ajudar o Paraguai a encontrar os caminhos para recuperar sua dignidade e sua coesão social. A eleição de Lugo contém essa mensagem dos eleitores: fé na democracia e desejo de apostar na dignidade da política.
Vale lembrar que, se o Brasil sofre a pecha de imperialista no Paraguai, o Paraguai é sinônimo de falso e de contrabando no Brasil. Nos dois casos, comete-se uma injustiça com dois vizinhos com longa tradição de boa convivência e com muitos exemplos de integração bem sucedida, de que Itaipu é o mais óbvio, mas não o único.
Itaipu talvez seja a resposta mais fácil para essa carência de recursos, na visão dos paraguaios, por mais que percam de vista que essa solução poderá onerar o consumidor brasileiro. Mas há outras e o Brasil pode ajudar a identificá-las. Alguns economistas paraguaios mais bem informados já sugeriram que uma distribuição assimétrica das rendas aduaneiras do Mercosul talvez seja um caminho para encontrar recursos legítimos adicionais aos do FOCEM. Isso ainda depende, porém, que o bloco regional consiga chegar a um acordo em matéria de dupla cobrança da tarifa externa comum, esteja disposto a também nesse tema adotar uma perspectiva assimétrica e solidária, e assuma o compromisso, nem sempre politicamente fácil, de exercer o devido controle sobre a forma como os recursos serão usados.
Talvez não haja, em nossas fronteiras, outro país com que o Brasil esteja mais intimamente ligado do que o Paraguai, por laços de toda a natureza, desde os estratégicos (como Itaipu) aos humanos (como os brasiguaios e os muitos paraguaios que vivem no Brasil). E talvez não haja outro país vizinho em que seja mais óbvio o benefício que o Brasil poderá colher de seu desenvolvimento. E, para isso, talvez não seja necessário renegociar o Tratado. Basta, por parte do Brasil e do Paraguai, empenho, cooperação bem orientada e bem aproveitada, compreensão adequada dos muitos interesses que compartilhamos e correção das distorções que maculam a imagem que temos um do outro.
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